"Se pensas que és pequeno para fazer a diferença... tenta dormir num quarto fechado com um mosquito."
Provérbio africano, no editorial da revista "Recicla"

16.2.08

Presidente diz que a autarquia reduziu o endividamento global «em 20 por cento» em 2007

A Câmara de Trancoso já liquidou o excesso de endividamento líquido apurado em 2006, após a retenção de cerca de 50 mil euros do duodécimo do Fundo de Equilíbrio Financeiro (FEF) a que tinha direito nos meses de Dezembro e Janeiro. «Isso não teve qualquer impacto ou consequência na actividade do município, até porque se trata de uma fatia muito pequena se atendermos aos quase 800 mil euros/mês que recebemos do Estado», sublinha Júlio Sarmento.
No final do ano transacto, a autarquia integrou a lista de 22 Câmaras que ultrapassaram os limites de endividamento. No caso de Trancoso, o Governo contabilizou mais de 96 mil euros, um valor corrigido depois do Ministério das Finanças ter apurado inicialmente 425 mil euros. Mesmo assim, a edilidade interpôs uma providência cautelar para esclarecer as contas e a decisão governamental. «Ainda continuamos à espera de uma resposta do Supremo Tribunal Administrativo, ao qual recorremos não pelo montante em causa – que é baixo – mas sim para clarificar o assunto», refere o autarca. «Sem diferenciar a situação específica de cada caso, as notícias difundidas induzem a erradas e infundadas interpretações que pretendemos esclarecer», acrescentou na altura.
Entretanto, segundo Júlio Sarmento, a autarquia conseguiu reduzir o endividamento global «em 20 por cento» no exercício de 2007. O que, de acordo com a lei, garante que «50 por cento da verba retida ser-nos-á ressarcida ainda este ano e o restante no próximo», adianta o autarca. No distrito, a Guarda (1,4 milhões) e Fornos de Algodres (três milhões) são outros municípios afectados. No primeiro caso a Câmara receberá menos 90.699 por mês até que seja recuperado o valor de endividamento excessivo. Já a autarquia de Fornos será privada, mensalmente, de 31.238 euros. Segundo a legislação, se o município eliminar o excesso de endividamento líquido nos três anos subsequentes ao que determinou a redução, será devolvida a totalidade da verba, cessando também a redução. Os montantes retidos às 22 Câmaras incumpridoras têm suprido o Fundo de Regularização Municipal, que conta actualmente com mais de 2,5 milhões de euros.
O secretário de Estado Adjunto da Administração Local, Eduardo Cabrita, revelou esta semana que, se ao fim de três anos, não se verificarem as condições para devolver os montantes aos municípios, os fundos existentes e respectivos juros são afectos ao FEF e servirão para reforçar as dotações dos municípios mais pobres. Isto é, aqueles que tenham uma capitação de impostos locais inferior a 1,25 por cento de média nacional e que estejam a cumprir os objectivos de um plano de saneamento ou reequilíbrio financeiro. Os recursos retidos podem ainda ser valorizados através da sua aplicação em Certificados Especiais de Dívida de Curto Prazo (CEDIC) ou outro instrumento financeiro equivalente de aplicação de saldos de entidades sujeitas ao princípio da Unidade de Tesouraria.

10.2.08

Evolução


A Câmara Muncipal e a Assembleia Municipal de Óbidos decidiram rever o Plano Director Municipal com o propósito de reduzir os índices de construção de empreendimentos turisticos no território daquele município, objecto de um surto de procura de investidores pela excelência da sua costa.
É um sinal muito importante, que importa registar pelo que tem de inédito mas sobretudo pela inteligência que revela o jovem e dinâmico presidente do executivo camarário, Telmo Faria.
Justificando a medida, Telmo Faria disse esta coisa simples mas pouco habitual de se ouvir: «face à procura muito elevada [para a construção de empreendimentos turísticos] percebemos que se aprovássemos tudo íamos dar cabo disto».
O "tudo" a que o presidente da Câmara se referia eram as 39 mil camas turísticas previstas no PDM que agora nessa parte ficará suspenso, a grande maioria delas a instalar ao longo do litoral do concelho.
Percebeu-se ali que a valorização dos territórios não se faz pela massificação da sua ocupação. Não se cria riqueza, sustentavelmente, só porque se constrói muito. Bem pelo contrário. A prazo, a perda de qualidade dos espaços pelo excesso de edificação, a pressão sobre os recursos e a insuficiência e mau dimensionamento das infra-estruturas, acaba com a ilusão.
Esta percepção não é coisa pouca num País pouco cuidadoso com o ordenamento do seu reduzido território.
Oxalá que a atitude tenha efeitos contaminatórios.
Por isso se regista e saúda aqui a clarividência de Telmo Faria.

in Quarta República, JM Ferreira de Almeida

7.2.08

Análise crítica do Plano de Desenvolvimento Estratégico da Comunidade Urbana das Beiras

Citando o sumário executivo do documento, o Plano de Desenvolvimento Estratégico da Comurbeiras (doravante designado por PDECUB) "valoriza as iniciativas de carácter supra-municipal que se revestem de uma natureza estruturante e que confinam o desenho e implementação de uma estratégia comum de desenvolvimento sustentável para o território das Beiras". É ambição do PDECUB dotar os responsáveis da administração local que integram a Comurbeiras de "uma Estratégia consistente para enfrentar os desafios do desenvolvimento que se colocam a esta região". Debrucemo-nos um pouco sobre essa consistência e sobre a sua natureza intermunicipal…
O PDECUB apresenta um diagnóstico estratégico da área territorial da Comunidade Urbana, identificando os eixos e apostas estratégicas que estão na base dos projectos a desenvolver no período 2007-2013. O diagnóstico revela-se algo optimista, mas admite-se que só com algum optimismo é possível encarar qualquer futuro promissor para este território da Beira Interior.
Da análise SWOT realizada no âmbito do PDECUB, decorreram 5 eixos de desenvolvimento: Eixo I - Património Histórico, Turismo e Ambiente; Eixo II - Produtos do Território; Eixo III - Posicionamento Transfronteiriço; Eixo IV - Inovação e Competitividade e, finalmente, o Eixo V - Coesão Social e Territorial. Estes eixos subdividem-se em 22 apostas estratégias que se materializam em 552 projectos (segundo o plano, de âmbito nacional e transnacional).
Relativamente a estes projectos são introduzidos níveis de prioridade: Estruturantes (***), de Suporte (**) e de Interesse Concelhio(*), respectivamente dos que têm mais impacto para o atingir dos objectivos do Plano aos se reflectem apenas no desenvolvimento de uma área territorial mais restrita, apesar de serem os que melhor contribuem para a coesão social do território COMUM. Mas será que a aparente coerência da estratégia do plano se reflecte na sua proposta de execução?
Atentemos então, na forma de financiamento dos projectos que o PDECUB propõe, em particular dos projectos de natureza estruturante, admitindo que serão estes os que, dentro das cinco centenas e meia, possuem maior possibilidade de virem a concretizar-se.
O gráfico 1 mostra como os eixos I e V absorvem cerca de 71% do total. Não obstante, enquanto no eixo I apenas cerca de 32% do financiamento é público, já no eixo V este valor corresponde a 96%, o que demonstra claramente como o investimento privado é alheio à importância da coesão social e territorial da Comunidade, preferindo claramente a aposta no eixo I que se reflecte em cerca de 80% de todo o investimento privado referenciado no PDECUB, em particular na área do Turismo.
Olhando agora apenas para os projectos estruturantes (gráficos 2 e 3), veja-se como o financiamento público beneficia claramente o eixo I (em particular a "Aposta nos activos históricos medievais do Côa; das Descobertas e dos activos patrimoniais por segmento" e a "Aposta na requalificação da Serra da Estrela") que absorve cerca de 43% do total do financiamento público estruturante, e onde Manteigas aparece, em ambos os casos, como o concelho que recolhe maior financiamento. Curioso será também referir que a "Aposta da interligação dos activos turísticos", talvez uma das mais importantes na criação de produtos turísticos mais competitivos nacionalmente, recolhe a menor quantidade de financiamento do eixo I.
Já no que respeita ao eixo V, este recolhe apenas cerca de 4% do financiamento público estruturante, o que refuta claramente a mensagem passada pelos dados genéricos do gráfico1, verificando-se que é no financiamento considerado menos prioritário que o eixo representativo da Coesão Social e Territorial recolhe o financiamento público ou seja, provavelmente nunca recolherá financiamento algum (gráfico 4). Também o eixo II – Produtos do Território, é preterido no que respeita a projectos estruturantes, tanto no que respeita ao financiamento público (cerca de 5%) como ao privado (cerca de 7,5%). O investimento privado em projectos estruturantes vira-se claramente para o eixo I, que recolhe cerca de 83,5% do mesmo, indo de encontro aos dados genéricos anteriormente apresentados, claramente influenciado pela aposta do sector privado na Serra da Estrela (marca âncora do Turismo da Região, conforme dita o PETUR).
O Plano refere que "A competitividade das unidades territoriais constituintes da Comurbeiras assenta nas Forças decorrentes da sua localização geográfica face à envolvente contextual ibérica e, sobretudo nos seus recursos naturais e paisagísticos". Mas, no que respeita ao eixo III - Posicionamento Transfronteiriço, que decorre directamente deste princípio, apesar do financiamento público em projectos estruturantes representar cerca de 24% do total, dirige-se quase na totalidade para a "Aposta no desenvolvimento do eixo logístico ibérico" ignorando a segunda vertente do eixo, a "Aposta na colaboração raiana e no desenvolvimento transfronteiriço" e, consequentemente, preterindo as regiões mais desfavorecidas do território da Comunidade. Em relação a este eixo, o investimento privado é nulo, o que reflecte também que a falta de maturidade das relações transfronteiriças, que este plano não pretende de todo reforçar, as alheia do sector privado, colocando em causa o próprio estabelecimento de um eixo logístico ibérico, na medida em que o mesmo depende intrinsecamente deste sector.
No que respeita ao eixo IV – Inovação e competitividade, o financiamento privado corresponde apenas a 9% enquanto os 91% do financiamento público se dirigem, sobretudo, para projectos estruturantes nas apostas nos "clusters emergentes" e numa "estratégia para a potenciação da especialização histórica", correspondendo a cerca de 24% do total deste tipo de investimento sendo que, nestas apostas em particular, os maiores beneficiários são os concelhos de Manteigas e Covilhã.
Mas voltemos a uma análise global do plano admitindo, juntamente com os projectos de natureza estruturante, a importância dos projectos de suporte e de interesse concelhio. Analisando a distribuição do financiamento público e privado por concelho (gráfico 5) verifica-se que, na globalidade, a grande fatia se destina, por ordem decrescente, aos concelhos da Covilhã, Fundão, Manteigas, Pinhel e Guarda.
A análise por eixos (gráficos 6 a 10), mostra-nos que, como principais concelhos beneficiários da totalidade do financiamento aparecem, por ordem decrescente, no eixo I: Manteigas>Fundão>Covilhã no eixo II: Fundão>Pinhel> Almeida, no eixo III: Fundão>Covilhã> Sabugal, no eixo IV: Covilhã>Fundão> Celorico da Beira e finalmente, no eixo V: Pinhel>Covilhã>Guarda. Não será necessário tecer comentários sobre a concentração do financiamento na Cova da Beira em detrimento da restante área territorial COMUM.
Contudo, importa reforçar que nem todos os projectos aparecem com referência ao investimento de que carecem para a sua execução. Curiosamente são sobretudo os "projectos materiais" que aparecem com valores concretos sendo que, no caso dos "imateriais", na grande maioria dos casos não é estimado qualquer valor. No caso particular dos projectos a desenvolver pela Comurbeiras, (onde se verifica o maior n.º de projectos estruturantes distribuídos pelos vários eixos – (gráfico 11), não há qualquer indicação de valores, razão pela qual, não são contabilizados para o tão conhecido bilião de euros (996 386 581,47 €) que é apresentado como orçamento do Plano e que representa quase 60 % do financiamento destinado a toda a Região Centro. Tendo em conta que o território da Comurbeiras representa cerca de 20% de toda a Região Centro e que possui uma densidade populacional de cerca de 36 hab/km2 para os cerca de 84 hab/km2 dessa mesma região, o cenário de concretização do plano revela-se, no mínimo, inconsistente.
O facto dos projectos que apresentam orçamento serem sobretudo de carácter "material" reflecte, mais uma vez, a inexperiência dos autarcas em lidar com tudo o que não implica obra feita. Lidam mal com projectos sem visibilidade física, mais dependentes do conhecimento, da criatividade e capacidade de inovar, argumentos indispensáveis para uma estratégia sustentada para uma região de poucos recursos financeiros. Reflecte também, à semelhança do que acontece com a administração central na relação de forças entre as grandes áreas metropolitanas e as regiões menos desenvolvidas, que o investimento se concentra sobretudo nas zonas de concentração de poder, sem contribuir para o reforço das especificidades de cada concelho enquanto base da complementaridade entre eles.
Mas voltemos agora aos projectos estruturantes, analisados em função da quantidade atribuída a cada concelho, uma vez que, como já foi referido, uma grande parte dos projectos não têm afectada qualquer verba, pelo que não contribuem para a análise anteriormente feita relativamente ao financiamento do Plano. Verifiquemos, então, se a direcção das prioridades caminha para os mesmos locais.
Analisando na globalidade (gráfico 11) verifica-se que, abaixo da Comurbeiras, são novamente os concelhos da Covilhã, Fundão e Manteigas a obter os primeiros lugares no ranking. Curioso é também lembrar que o concelho do Fundão, um dos discricionários beneficiantes do PDECUB, ainda não formalizou a adesão à Comurbeiras… imagine-se se já tivesse formalizado!
A análise por eixos (gráficos 12 a 16), mostra-nos que, como principais concelhos beneficiários de projectos estruturantes aparecem, por ordem decrescente, no eixo I: Manteigas>Fundão>Covilhã, no eixo II: Comurbeiras> Fundão, no eixo III: Comurbeiras>Almeida>Fundão>Trancoso, no eixo IV: Comurbeiras>Covilhã>Pinhel e finalmente, no eixo V: Comurbeiras>Manteigas. Relativamente aos concelhos mais beneficiados, verifica-se que a estratégia do Plano não é significativamente alterada por esta análise.
Não obstante, é relevante o facto da Comurbeiras assumir a liderança em quatro dos cinco eixos de desenvolvimento, onde concorre com os chamados "projectos imateriais", que mobilizam pessoas e conhecimento, criam conexões de interesses e partilha de objectivos. Tal reflecte o facto do valor que veio a público, de cerca de 1 bilião de euros, para concretização deste plano, estar longe de permitir que se efective no terreno uma estratégia de âmbito regional para este território COMUM, o que transforma este Plano num gigante sofisma, completamente inexequível.
Esta análise não teve como objectivo debruçar-se sobre a lógica de prioridade dada a cada projecto em particular. Contudo, pode acrescentar-se que foram encontradas lógicas absolutamente distintas em projectos de natureza semelhante, em função do concelho a que esses projectos pertencem. Por outro lado, não pode dizer-se que o número de projectos estruturantes afectos a cada concelho esteja relacionado com a importância que os mesmo detêm no impacto da concretização dos objectivos do plano…A não ser que estejamos a falar de "objectivos de entrelinhas" que ultrapassam qualquer análise desta natureza.
Este cenário, associado ao facto do presidente da CCDRC ter afirmado que o Quadro de Referência Estratégico Nacional para 2007/2013 poderá ser a "última oportunidade" para desenvolver a Região Centro do país, bem como ao facto de Carlos Pinto, presidente da Comurbeiras e também da Câmara da Covilhã, ter informado que o Estado, baseado na existência deste plano estratégico intermunicipal, vai atribuir à Comunidade Urbana das Beiras um pacote financeiro para executar projectos no âmbito do QREN, é inquietante. Ao que parece vão (não se sabe como) ser seleccionados os projectos que, entre os 552, passarão à versão final. Segundo Carlos Pinto a negociação vai ser feita com a CCDRC. Vai também formar-se uma equipa responsável pela gestão das verbas do QREN.
Destas notícias não fica claro se o que se negoceia são os projectos ou o valor do contrato financeiro. Fica-se também na dúvida se este contrato consubstancia a transferência de competências da administração central para a Comurbeiras em matéria de gestão da totalidade das verbas que o QREN poderá afectar ao território COMUM. Mas o mais preocupante é que os membros da Comurbeiras aprovaram um plano cuja estratégia de execução está completamente desajustada dos recursos disponíveis, que resulta de um somatório de projectos de natureza intermunicipal duvidosa que depois de cedidos pelos municípios, foram baralhados e dados em função de interesses claramente concelhios. E é este o documento que ditará a nossa "última oportunidade"…de falhar enquanto região.

in O Interior, Cláudia Quelhas