"Se pensas que és pequeno para fazer a diferença... tenta dormir num quarto fechado com um mosquito."
Provérbio africano, no editorial da revista "Recicla"

5.2.11

Entender a corrupção

Acabei de regressar da Índia, onde estive numa conferência como orador para o Parlamento indiano, na mesma sala em que o presidente norte-americano Barack Obama falou recentemente. O país foi atravessado por um escândalo: um gigantesco esquema a nível ministerial no sector das telecomunicações móveis tinha desviado muitos milhões de dólares para um político corrupto.

Mas muitos dos parlamentares foram surpreendidos ao descobrirem que quando Obama falou com eles, estava a ler a partir de um teleponto “invisível”. Na altura, ele levou a sua audiência a pensar que estava a comunicar de improviso, uma capacidade muito bem vista na Índia.

Ambos os episódios foram vistos como uma forma de corrupção: um envolvia dinheiro, o outro um engano. Obviamente que as duas transgressões não são comparáveis em termos de baixeza moral. Mas o episódio Obama reflecte uma importante diferença entre culturas na avaliação de quão corrupta uma sociedade é.

A Transparência Internacional e, também ocasionalmente o Banco Mundial, gosta de hierarquizar os países de acordo com o grau de corrupção, a que se segue a divulgação incessante pelos media sobre a posição detida por cada nação. Mas as diferenças culturais entre os países prejudicam a legitimidade de tais classificações – que são, no final de contas, baseadas em inquéritos realizados ao público. O que Obama fez foi uma prática bastante comum nos EUA (embora se possa esperar melhor vindo de um orador com a sua capacidade); contudo, não é tão vulgar na Índia, onde essa técnica é, na realidade, vista como repreensível.

Certamente que existe corrupção na Índia, como em quase todos os países. Mas a nação também tem uma cultura em que as pessoas assumem que toda a gente é corrupta na vida pública, a não ser que provem o contrário. Até mesmo um cego irá dizer à Transparência Internacional: “Eu vi-o a aceitar um suborno com os meus próprios olhos”. De facto, um distinto burocrata indiano, um homem de um carácter insuspeito, contou-me que a sua mãe lhe tinha contado o seguinte: “Só acredito que não és corrupto porque és meu filho!”

Por isso, se perguntarem se o poder executivo no país é exercido com corrupção generalizada, os indianos vão responder com prazer: “Sim!” Este preconceito acaba por influenciar negativamente a posição da Índia em relação a outras nações com um registo mais empírico.

Um preconceito similar deve-se à tendência de ver o clientelismo político em qualquer lado como mais corrupto do que aquele que é praticado pelo próprio país. Por exemplo, quando explodiu a crise financeira no este asiático, rapidamente se seguiu uma tentativa sistemática de culpabilizar os países afectados: “o capitalismo de favores” ou “de compadres” tinha, de alguma forma, prejudicado as suas economias. Por outras palavras, os conhecidos e os benfeitores dos líderes do este da Ásia eram “compadres favorecidos”, enquanto os dos líderes norte-americanos eram “amigos”?

Na realidade, ficou claro que os culpados foram o Fundo Monetário Internacional e o Tesouro norte-americano. Estes tinham encorajado uma mudança para uma conversibilidade da conta de capital, sem perceberem as diferenças entre os fluxos livres de capital e o comércio livre.

Mas tem de se reconhecer que os locais onde a corrupção pode ser inequivocamente encontrada não dependem de dados culturais. Pelo contrário, por vezes, resultam das políticas que os alimentaram.

Nos anos 50, a Índia tinha uma Administração Pública e uma classe política que eram invejadas no mundo. Se tal parece chocante nos dias de hoje, a perda de força deve-se às todas poderosas “autorizações de Raj”, com os seus requerimentos de licença para importar, produzir e investir, que cresceram para proporções gigantescas. Os oficiais administrativos do mais alto nível rapidamente descobriram que as licenças podiam ser trocadas por favores, enquanto os políticos viram neste sistema os meios para ajudar os mais importantes financiadores.

Uma vez enraizada no sistema, a corrupção infiltrou-se no sentido descendente, dos burocratas e políticos nos mais altos cargos, que podiam ser subornados para fazer o que não era suposto que fizessem, até às camadas de um nível inferior, que não faziam as coisas que deviam a não ser que fossem subornadas. Os empregados de balcão não iam buscar os ficheiros dos clientes, nem lhes davam o certificado de nascença ou o comprovativo de propriedade, caso não recebessem algo em troca.

Mas se as políticas podem criar corrupção, é igualmente verdade que o custo da corrupção varia consoante as especificidades concretas dessas mesmas políticas. Este custo tem sido particularmente elevado na Índia e na Indonésia. Criaram-se aí monopólios que recebiam uma renda que era, posteriormente, distribuída pelos familiares dos funcionários.

Essa corrupção de “criação de rendas” é bastante cara e corrói o crescimento. Pelo contrário, na China, a corrupção tem sido a de “participação nos lucros”, que consiste no facto de os familiares receberem uma participação numa empresa, sendo que, assim, vêem os seus ganhos aumentaram com os lucros da mesma – um tipo de corrupção que promove o crescimento.

Claro que, no longo prazo, ambos os tipos de corrupção são negativos para o respeito e para a confiança exigidos num bom desempenho da autoridade, o que pode acabar por minar o comportamento económico. Mas isso não nos absolve da responsabilidade de definir a corrupção de uma forma apropriada – e de saber as diferenças culturais importantes e evidentes na forma como ela é entendida.


Jagdish Bhagwati, professor de Economia e Direito na Universidade de Columbia e membro da International Economics no Conselho para as Relações Externas, é o autor de “Termites in the Trading System: How Preferential Trade Agreements Undermine Free Trade”.

Copyright: Project Syndicate, 2010.
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in Jornal de Negócios

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