Não tenho ilusões. Ontem acabou de se confirmar uma viragem histórica em Portugal, e eu estou do lado perdedor.
O país chegou a estas eleições exangue e entregue às mãos impiedosas da troika. Simbolicamente, bateu já no fundo, ou pensa que bateu — a julgar pelo exemplo da Grécia e da Irlanda, este fundo não tem fundo. Socialmente, aproximam-se tempos duríssimos; politicamente, a descrença vai ser amplificada pelos sucessivos falhanços em chegar às metas do memorando; culturalmente, no sentido mais profundo, Portugal vai esvairse. Esvair-se em crença num futuro desenvolvido, europeu e próspero. E esvair-se em gente que ainda tenha sonhos.
Desculpem, quem está do lado perdedor deveria começar por falar dos vencedores.
O PSD e o CDS ganharam legitimamente, sob a bancarrota em ameaça no campo financeiro, e sobre a bancarrota da esquerda portuguesa — já lá iremos. Mas o PSD e o CDS têm nas mãos um bem precioso, poder para governar, e não tenham dúvidas de que saberão usá-lo. A direita portuguesa sabe sempre convergir para governar; e, com a exceção de Santana Lopes, sabe sempre governar para ficar no governo.
Costuma dizer-se que nunca se deve desperdiçar uma boa crise. Todo o político que é político sabe, nos seus ossos, que assim é. Pedro Passos Coelho e Paulo Portas são políticos — praticamente nunca foram outra coisa. Não desperdiçarão esta crise. Usa-la-ão para cumprir com o seu programa político até ao fim. Jogarão sempre as culpas de todas as dificuldades no passado, e isso bastará nos primeiros anos. E quando chegar o fim do mandato usarão a folga que entretanto houver para ganhar novas eleições. Essas eleições só as perderão se forem inábeis.
Teremos governo de direita, com um programa que fará o cavaquismo parecer um oásis social, e para durar oito anos.
Nada pode escamotear a dimensão desta derrota para a esquerda portuguesa. Após anos em que teve uma sólida maioria sociológica no país, e após uma crise do capitalismo que lhe deu, temporariamente, uma hegemonia no discurso, com uma esquerda radical que tinha a maior proporção de votos da Europa, deixamos (eu incluo-me neste “nós”) o país nas mãos do FMI, do PSD mais neoliberal de sempre, e do CDS de Paulo Portas com o dobro dos votos do BE e do PCP. Não há ninguém de esquerda que possa olhar para este panorama e ficar satisfeito.
O discurso de “estivemos onde tínhamos de estar” e “estaremos onde tivermos de estar” é absolutamente inadequado para uma ocasião destas. Onde está a reflexão que permite saber onde se situa esse “onde”?
Nós à esquerda temos uma análise impecável desta crise. Impecável até demais. Sabemos onde falhou o sistema financeiro. Sabemos onde falhou o neoliberalismo. Sabemos onde falhou o centro-direita, e o centroesquerda, e a social-democracia. Sabemos tudo, é fantástico. Só não sabemos responder a esta pergunta: onde falhámos nós?
Sim, porque nós havemos de ter falhado em qualquer coisa. Se não tivéssemos falhado, não teríamos a troika a tomar conta da casa. Se não tivéssemos falhado, não teríamos, dois anos depois de os bancos terem estourado com o sistema financeiro, o discurso hegemónico a estourar com o estado social em favor da mítica austeridade.
A esquerda não será séria se achar que fez tudo bem e que, para o futuro, só há que continuar a fazer o mesmo.
in Público, Rui Tavares
1 comentário:
O artigo é giro, como diria a minha sobrinha Inês em frente do espelho e referindo-se ao vestido novo. Mas escrever sobre este PS que o Sócrates deixou de rastos, que transformou num PPD descaracterizado, intitulando-o de esquerda, só pode ser giro, para não utilizar um adjectivo mais contundente. Não. Este PS que entrou em coma no domingo espero que não tenha salvação. É necessário ressuscitar o PS como Partido Socialista que já foi. É necessária uma profunda barrela no partido. Colocar o lixo no lixo. Nem dá para reciclar.
O Subtítulo deste post diz e bem..."condenados por corrupção em Portugal devem ter penhoras internacionais sobre os seus bens".
Não poderia estar mais de acordo.
O vencimento de um político em Portugal mesmo com todas as alcavalas, ajudas de custo incluídas, que nalguns cargos é o principal rendimento, não chega para enriquecer. Basta verificar os sinais de riqueza destes políticos que ao longo de mais de 30 anos estiveram no poder e averiguar como enriqueceram. Explicar como um Ferreira do Amaral ou um Jorge Coelho antigos ministros das Obras públicas aparecem mais tarde como administradores de empresas ligadas à construção e exploração das pontes 25 de Abril e Vasco da Gama. (E os contentores de Alcântara...) Proporcionaram enquanto ministros negócios de tal maneira rentáveis a essas entidades que mais parecem slot machines. Idem relativamente a um escorraçado do PC que dá pelo nome de Pina Moura e que mais tarde aparece na Iberdrola. Sem esquecermos toda aquela gente que passou por governos do PSD e que por artes mágicas fez desaparecer milhões, muitos milhões, do BCP.
A obra social deste desgoverno que levou a dívida pública relativamente ao PIB, a valores só encontrados em finais do século XIX, foi nula ou melhor, negativa. Nunca os privados ganharam tanto com o sector público, como com Sócrates. Veja-se a escandaleira que foi o negócio das SCUTS.
A bem do Partido Socialista e do povo português, Sócrates e sua camarilha que vão e não regressem. A falta que fazem é como a fome.
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