"Se pensas que és pequeno para fazer a diferença... tenta dormir num quarto fechado com um mosquito."
Provérbio africano, no editorial da revista "Recicla"

7.6.11

Período de reflexão

Não tenho ilusões. Ontem acabou de se confirmar uma viragem histórica em Portugal, e eu estou do lado perdedor.
O país chegou a estas eleições exangue e entregue às mãos impiedosas da troika. Simbolicamente, bateu já no fundo, ou pensa que bateu — a julgar pelo exemplo da Grécia e da Irlanda, este fundo não tem fundo. Socialmente, aproximam-se tempos duríssimos; politicamente, a descrença vai ser amplificada pelos sucessivos falhanços em chegar às metas do memorando; culturalmente, no sentido mais profundo, Portugal vai esvairse. Esvair-se em crença num futuro desenvolvido, europeu e próspero. E esvair-se em gente que ainda tenha sonhos.
Desculpem, quem está do lado perdedor deveria começar por falar dos vencedores.
O PSD e o CDS ganharam legitimamente, sob a bancarrota em ameaça no campo financeiro, e sobre a bancarrota da esquerda portuguesa — já lá iremos. Mas o PSD e o CDS têm nas mãos um bem precioso, poder para governar, e não tenham dúvidas de que saberão usá-lo. A direita portuguesa sabe sempre convergir para governar; e, com a exceção de Santana Lopes, sabe sempre governar para ficar no governo.
Costuma dizer-se que nunca se deve desperdiçar uma boa crise. Todo o político que é político sabe, nos seus ossos, que assim é. Pedro Passos Coelho e Paulo Portas são políticos — praticamente nunca foram outra coisa. Não desperdiçarão esta crise. Usa-la-ão para cumprir com o seu programa político até ao fim. Jogarão sempre as culpas de todas as dificuldades no passado, e isso bastará nos primeiros anos. E quando chegar o fim do mandato usarão a folga que entretanto houver para ganhar novas eleições. Essas eleições só as perderão se forem inábeis.
Teremos governo de direita, com um programa que fará o cavaquismo parecer um oásis social, e para durar oito anos.
Nada pode escamotear a dimensão desta derrota para a esquerda portuguesa. Após anos em que teve uma sólida maioria sociológica no país, e após uma crise do capitalismo que lhe deu, temporariamente, uma hegemonia no discurso, com uma esquerda radical que tinha a maior proporção de votos da Europa, deixamos (eu incluo-me neste “nós”) o país nas mãos do FMI, do PSD mais neoliberal de sempre, e do CDS de Paulo Portas com o dobro dos votos do BE e do PCP. Não há ninguém de esquerda que possa olhar para este panorama e ficar satisfeito.
O discurso de “estivemos onde tínhamos de estar” e “estaremos onde tivermos de estar” é absolutamente inadequado para uma ocasião destas. Onde está a reflexão que permite saber onde se situa esse “onde”?
Nós à esquerda temos uma análise impecável desta crise. Impecável até demais. Sabemos onde falhou o sistema financeiro. Sabemos onde falhou o neoliberalismo. Sabemos onde falhou o centro-direita, e o centroesquerda, e a social-democracia. Sabemos tudo, é fantástico. Só não sabemos responder a esta pergunta: onde falhámos nós?
Sim, porque nós havemos de ter falhado em qualquer coisa. Se não tivéssemos falhado, não teríamos a troika a tomar conta da casa. Se não tivéssemos falhado, não teríamos, dois anos depois de os bancos terem estourado com o sistema financeiro, o discurso hegemónico a estourar com o estado social em favor da mítica austeridade.
A esquerda não será séria se achar que fez tudo bem e que, para o futuro, só há que continuar a fazer o mesmo.

in Público, Rui Tavares

1 comentário:

José Coelho disse...

O artigo é giro, como diria a minha sobrinha Inês em frente do espelho e referindo-se ao vestido novo. Mas escrever sobre este PS que o Sócrates deixou de rastos, que transformou num PPD descaracterizado, intitulando-o de esquerda, só pode ser giro, para não utilizar um adjectivo mais contundente. Não. Este PS que entrou em coma no domingo espero que não tenha salvação. É necessário ressuscitar o PS como Partido Socialista que já foi. É necessária uma profunda barrela no partido. Colocar o lixo no lixo. Nem dá para reciclar.
O Subtítulo deste post diz e bem..."condenados por corrupção em Portugal devem ter penhoras internacionais sobre os seus bens".
Não poderia estar mais de acordo.
O vencimento de um político em Portugal mesmo com todas as alcavalas, ajudas de custo incluídas, que nalguns cargos é o principal rendimento, não chega para enriquecer. Basta verificar os sinais de riqueza destes políticos que ao longo de mais de 30 anos estiveram no poder e averiguar como enriqueceram. Explicar como um Ferreira do Amaral ou um Jorge Coelho antigos ministros das Obras públicas aparecem mais tarde como administradores de empresas ligadas à construção e exploração das pontes 25 de Abril e Vasco da Gama. (E os contentores de Alcântara...) Proporcionaram enquanto ministros negócios de tal maneira rentáveis a essas entidades que mais parecem slot machines. Idem relativamente a um escorraçado do PC que dá pelo nome de Pina Moura e que mais tarde aparece na Iberdrola. Sem esquecermos toda aquela gente que passou por governos do PSD e que por artes mágicas fez desaparecer milhões, muitos milhões, do BCP.
A obra social deste desgoverno que levou a dívida pública relativamente ao PIB, a valores só encontrados em finais do século XIX, foi nula ou melhor, negativa. Nunca os privados ganharam tanto com o sector público, como com Sócrates. Veja-se a escandaleira que foi o negócio das SCUTS.
A bem do Partido Socialista e do povo português, Sócrates e sua camarilha que vão e não regressem. A falta que fazem é como a fome.