"Se pensas que és pequeno para fazer a diferença... tenta dormir num quarto fechado com um mosquito."
Provérbio africano, no editorial da revista "Recicla"

14.12.10

O português suave serve líderes sem ideias

No paraíso dos políticos, os eleitores são suaves, não protestam, pagam e calam. O ciclo da pobreza reproduz-se assim. Exijam mais

2010 foi o Ano Europeu de Combate à Pobreza e Exclusão Social. Os resultados conseguidos, muito magros, em nada confortam as barrigas com fome para o ano que aí vem. Será uma ironia da história que 2011 acabe por ser o ano europeu da pobreza, pelo menos para um número significativo de países da União. A crise financeira de 2007 devorou uma quantidade oceânica de dinheiro e os estados foram forçados a multiplicar os apoios sociais de emergência. Portugal não foi excepção. O problema é que, enquanto o benévolo estado social distribuía pensos rápidos - muitos deles traduzidos em votos, em 2009 -, adiava-se o tratamento do doente. Asfixiado, o paciente precisa de crescimento económico para voltar a respirar. E todos os indicadores apontam para uma rarefacção do ar em 2011. A pobreza vai afectar muita gente.

Um relatório ontem divulgado pelo Eurostat informava que em 2008 havia 2 milhões de pessoas em risco de pobreza no país, isto é, 19% da população. Metade viu-se incapaz de pagar despesas inesperadas. Os portugueses partilhavam esta miserável condição com 81 milhões de cidadãos europeus.

A pressão demográfica, pela via do envelhecimento, e a crise económica, que atira os jovens para a malha do desemprego, sugerem uma lógica viciosa de reprodução da pobreza no país. Perante a necessidade imperiosa de combater o défice, e face à técnica do garrote fiscal que o governo é obrigado a aplicar, 2011 vai ser um ano terrível para aqueles que menos têm. Pior: desta vez não haverá pensos rápidos.

A única forma de sair do ciclo de pobreza é criar emprego. E para criar emprego é preciso crescimento económico. E para haver crescimento económico é necessário que o Estado alivie o seu peso fiscal sobre as empresas e os rendimentos do trabalho. A protecção social, decisiva para os mais desprotegidos, não é a solução: é um paliativo. Mas com um ajustamento fiscal de 11,5 mil milhões de euros como pode a economia crescer em 2011? Parece o inferno, não parece? Uma pescadinha de rabo na boca, uma mão cheia de banalidades.

Se este povo não fosse tão suave, coisa que agrada obviamente ao governo e à presidência da República, talvez saísse à rua em protesto e exigisse um novo contrato social: digam-nos quanto custa, qual o prazo, e vamos trabalhar para o objectivo. Do lado da política, ninguém se lembrou de fazer esta coisa simples: informar os cidadãos de que os tempos serão difíceis nos próximos dez anos, mas há uma contrapartida óbvia que é tornar o país viável e sustentável mediante uma estratégia. Só um povo suave admite e tolera os políticos sem estratégia para o país. Dir-me-ão que a margem é curta. Sem dúvida. Mas há que começar por algum lado. O aumento brutal dos impostos, o corte de salários e a recessão económica motivada pela política fiscal não deveriam ser explicados apenas em função da consolidação orçamental. Reduzir o défice não pode ser o desígnio de um povo. No máximo, será um meio para chegar a algum lado. É preciso mais. E os portugueses devem exigir muito mais.

É um imperativo que os partidos políticos apresentem uma estratégia para o país a dez,

15 ou 20 anos. Que expliquem que Portugal querem ver dentro de uma ou duas décadas e qual o caminho para lá chegar. Só depois disso merecem os votos. Enquanto o português suave se contentar com pensos rápidos, viverá no ciclo da pobreza. 2011 está à porta para comprovar esta realidade.

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